PoCUS - Medicina USP Bauru

Point-of-care-ultrassound

Acesso Venoso Central Guiado por Ultrassom

Introdução

 O acesso venoso central é um procedimento que permite a inserção de cateter em vasos centrais, e a partir disso possibilita diferentes intervenções no paciente, desde a administração de soro fisiológico até a colocação de filtros de veia cava. O local e o tipo de acesso dependem tanto da anatomia do paciente quanto ao tipo de intervenção a ser realizada.

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Com a difusão do ultrassom, procedimentos como o acesso venoso central tornaram-se mais seguros e eficazes, visto que com o aparelho de ultrassom o médico que está realizando essa tarefa consegue por exemplo visualizar a veia em tempo real e guiar a inserção com maior precisão, reduzindo significativamente os riscos.

 

O procedimento

O acesso venoso central consiste na inserção de um catéter venoso intra-torácico, que pode ser colocado por exemplo na veia cava superior, veia braquiocefálica, veia subclávia e mais comumente na veia jugular interna.

Atualmente existem inúmeros tipos de cateteres e dispositivos venosos, que são classificados em algumas categorias.

– Categoria clínica: decorrente da necessidade aguda, subaguda ou crônica.

– Duração do uso do cateter: diz a respeito do tempo em que o cateter precisará ser utilizado, em curto, médio ou longo prazo.

– Tipo de inserção: pode ser central ou periférico, apesar de ser um acesso central, pode ter como porta de entrada local mais periférico.

– Localização da inserção: diz respeito ao vaso em que o cateter está inserido. Vale lembrar aqui as principais veias utilizadas para o procedimento:

– Veia Jugular Interna

– Veia Cava Superior

– Veia Braquiocefálica

– Veia Subclávia

– Número de lúmens: significa quantos acessos estão disponíveis/em contato com o meio externo.

Indicações

As principais indicações incluem:

1. Acesso venoso periférico inadequado: seja por incapacidade de obtenção ou por complexidade de infusão (ver adiante).

2. Acesso periférico incompatível com infusão: algumas medicações como vasopressores, soluções hiperosmolares e agentes químicos precisam ser administradas em veias centrais porque quando administrados em acessos periféricos podem causar flebite.

3. Monitoramento hemodinâmico: um cateter por acesso central permite mensurar a pressão venosa central, a saturação venosa de oxihemoglobina e parâmetros cardíacos, que podem ser mensurados a partir de cateter na artéria pulmonar (importante lembrar que apesar do nome, a artéria pulmonar transporta sangue venoso, visto que o sangue que sai do ventrículo direito chega aos pulmões através da artéria pulmonar, e lá é oxigenado e retorna ao átrio esquerdo, ventrículo esquerdo e ganha a circulação por meio da aorta).

4. Terapias extracorpóreas: algumas terapias requerem um acesso venoso mais calibroso para que suporte um alto volume e fluxo, como por exemplo as plasmaferises, ECMO, terapias de hemodiálise e de hemofiltração por exemplo.

5. Acessos para a inserção de dispositivos como filtro de veia cava; colocação de stent venoso, angioplastia venosa e terapia trombolítico venosa; colocação de cateter na artéria pulmonar e colocação de marca-passo.

 

Contraindicações

A principal contraindicação absoluta é caso haja infecção local na área de inserção do cateter, nessa situação o procedimento não deve ser realizado até que a infecção seja resolvida.
   Via de regra as demais contraindicações são relativas e devem ser individualizadas caso a caso. Duas situações em especial merecem mais atenção, dentre elas nos casos de coagulopatias ou trombocitopenia, a outra situação ainda nos casos de pacientes imunossuprimidos visto que o acesso venoso central aumenta a chance de contaminação.
   Para os casos de coagulopatia de moderada a severa, a realização do procedimento deve ser ponderada, mas o risco de sangramento não é usual. Uma revisão sistemática procurou estabelecer a relação entre severidade da coagulopatia e a realização do acesso venoso central, mas o sangramento decorrente do procedimento não havia relação direta com a severidade da coagulopatia.
   Outras considerações sobre o local de inserção: 1) Caso o local apresente alguma injúria vascular, deve-se avaliar a real necessidade daquele sítio e cogitar outra área; 2) Locais contaminados são contraindicados para a realização do procedimento, mas locais potencialmente contaminados devem ser avaliados quanto ao risco inerente e a partir disso realizar ou não o procedimento.

Técnica

Materiais necessários para a realização do procedimento

  Para que a realização do procedimento seja adequada, é necessário que o material esteja estéril. Antes de iniciar o procedimento é importante separar todo o material a ser utilizado, conferir tudo e preparar o paciente, incluindo a explicação prévia do procedimento, caso seja possível.

Lista de materiais (ilustrado ao lado):

– Bisturi

– Dilatador rígido do catéter central

– Jelco 14

– Agulhas metálicas

– Seringa de 10mL

– Fio guia para passagem do catéter venoso central

– Catéter venoso central (mono, duplo ou triplo lúmen) com guia

– Presilhas para fixação na pele

– Conectores (tampinhas dos equipos)

– Fio de sutura para fixação na pele

 

 O transdutor a ser utilizado nesse procedimento é o linear, que permite a visualização de estruturas mais superficiais com uma maior precisão por trabalhar em alta frequência.

Maneiras de se realizar o procedimento

Para a realização do procedimento pode-se optar por realizá-lo em três diferentes técnicas, sendo que não há vantagem técnica entre cada uma delas, a não ser por familiaridade ou predileção do examinador.

Técnica em plano

Na técnica em plano, a agulha é inserida paralelamente ao transdutor do ultrassom, permitindo uma visualização contínua de todo o comprimento da agulha durante a inserção.

Passo a Passo:

1) Preparação: Posicione o paciente em decúbito dorsal com a cabeça virada para o lado oposto ao local da inserção. Assegure-se de que a área está esterilizada e utilize campos estéreis.

2) Configuração do Ultrassom: Selecione um transdutor linear de alta frequência e ajuste a profundidade e o ganho adequadamente.

3) Visualização da Veia: Posicione o transdutor perpendicular à veia e identifique-a na tela.

4) Inserção da Agulha: Alinhe a agulha com o transdutor e insira-a em um ângulo raso, observando a ponta da agulha na tela enquanto avança em direção à veia.

5) Confirmação e Avanço: Continue a avançar a agulha, mantendo-a visível na tela até que a ponta entre na veia.

6) Aspiração e Inserção do Cateter: Confirme a aspiração de sangue venoso, avance o fio-guia através da agulha, remova a agulha e introduza o cateter sobre o fio-guia.

 

Vantagens: 1) Visualização contínua da agulha; 2) Maior precisão na inserção.

Desvantagens: 1) Requer habilidade e prática para manter a agulha visível o tempo todo

Técnica fora de plano

 Na técnica fora de plano, a agulha é inserida perpendicularmente ao transdutor do ultrassom, aparecendo como um ponto na tela à medida que atravessa o feixe ultrassonográfico.

Passo a Passo:

1) Preparação: mantém-se a mesma para a técnica em plano.

2) Visualização da Veia: Posicione o transdutor perpendicular à veia e identifique-a na tela.

3) Inserção da Agulha: Insira a agulha perpendicularmente ao transdutor e avance-a lentamente. A ponta da agulha aparecerá como um ponto hiperecogênico na tela.

4) Ajuste do Transdutor: Mova o transdutor ligeiramente para manter a ponta da agulha visível à medida que avança em direção à veia.

5) Confirmação e Avanço: Continue a avançar a agulha até que a ponta entre na veia, confirmada pela visualização do ponto hiperecogênico (branco) dentro da veia.

6) Aspiração e Inserção do Cateter: Confirme a aspiração de sangue venoso, avance o fio-guia através da agulha, remova a agulha e introduza o cateter sobre o fio-guia.

 

Vantagens: 1) Técnica mais simples e rápida de aprender; 2) Útil em situações onde a visualização contínua da agulha não é crítica.

Desvantagens: 1) Menor precisão em comparação com a técnica em plano; 2) Risco de perfuração posterior da veia se a agulha não for cuidadosamente monitorada.

Técnica estática

 Na técnica estática, a ultrassonografia é usada para marcar a localização da veia antes da inserção da agulha, mas não durante o processo de inserção.

Passo a Passo:

1) Preparação: Siga as etapas de preparação descritas anteriormente.

2) Localização da Veia: Posicione o transdutor sobre a área de inserção e identifique a veia na tela.

3) Marcação da Posição: Use um marcador estéril para marcar a pele no local onde a veia é visualizada.

4) Inserção da Agulha: Remova o transdutor e insira a agulha no local marcado, avançando em direção à veia.

5) Confirmação e Inserção do Cateter: Confirme a aspiração de sangue venoso, avance o fio-guia através da agulha, remova a agulha e introduza o cateter sobre o fio-guia.

 

Vantagens: 1) Útil em ambientes com recursos limitados ou quando o uso contínuo do ultrassom não é possível; 2) Menos dependente da habilidade de manter a agulha visível na tela.

Desvantagens: 1) Menor precisão em comparação com as técnicas guiadas em tempo real; 2) Maior risco de complicações devido à falta de visualização contínua.

Técnica geral para a realização do procedimento

 Após o preparo dos materiais a serem utilizados, deve-se preparar o paciente. É de extrema importância realizar a anti-sepsia com clorexidina 0,5%. Deve-se colocar o campo fenestrado no local a ser puncionado.

O passo a passo a seguir traz imagens ilustrativas do passo em questão, mas mescla entre a técnica em plano com a técnica fora de plano. Atenha-se ao que é realizado em cada etapa do procedimento. Para mais detalhes sobre as técnicas, leia o texto acima.

1. Identificação

2. Localização anatômica

Após a anti-sepsia e preparo adequado do local, posiciona-se o transdutor na região cervical para melhor visualização da veia jugular.

Nesta imagem é possível ver algumas estruturas cervicais, dentre elas: carótida, veia jugular e músculo esternocleiomastóide.

3. Posicionar a agulha

Após a correta identificação da veia jugular, é preciso preparar a agulha metálica conectada a uma seringa de 10mL. A agulha deve ser inserida formando um angulo de 45º com a pele, de modo que a distância do transdutor e a profundidade a ser atingida sejam as mesmas.

A ideia é simular um triângulo isósceles, em que a hipotenusa é o trajeto da agulha e os catetos são formados pela distância do ponto de inserção ao transdutor e do transdutor ao ponto a ser atingido.

4. Inserir a agulha

5. Verificar o trajeto

Neste momento o paciente estará anestesiado (seja por bloqueio local ou decorrente do procedimento cirúrgico). É importante não forçar o transdutor contra a pele do paciente, para que a veia não seja comprimida e isso dificulte o acesso.

O trajeto da agulha deve ser verificado com o ultrassom seguindoa técnico descrito acima. Ao ver a agulha dentro do vaso, deve-se aspirar com a seringa para a confirmação, verificada com a regurgitação de sangue para a seringa.

Após visualizar o trajeto da agulha com o transdutor e certificar-se que ela encontra-se dentro do vaso escolhido, deve-se aspirar com a seringa até refluir sangue.

O passo seguinte é a colocação do fio-guia com a ponta em “J” voltada para baixo. O dilatador deve ser inserido nesse momento, para que haja um aumento do orifício e com isso permitir que o catéter possa ser inserido sem maiores dificuldades.

Posteriormente à inserção do catéter deve-se retirar o fio-guia e o alargador. Inserido o catéter, deve ser feito um teste para verificar se há refluxo de sangue pelo catéter, com o intuito de assegurar-se de que o catéter está inserido dentro da veia. Para a realização desse teste, pode-se descer a ponta externa do catéter numa altura menor em relação ao ponto da punção, e por ação da gravidade o sangue refluirá. 

Assegurado de que o catetes está na posição adequada, deve ser fixado à pele. A fixação pode ser feita com ponto simples.

LEIA MAIS:

1.VELASCO et. al. PROCEDIMENTOS COM ULTRASSOM NO PROTNO SOCORRO. 1ª Edição, São Paulo. Manole, 2020.  

    Este website foi desenvolvido como parte do projeto PUB-USP – Construção e validação de ferramenta online para ensino de ultrassonografia point-of-care na graduação – pelo aluno João Marcos Bonifácio da Silva, sob orientação do Prof. Dr. Marcos Antonio Marton Filho.