No contexto do POCUS e da ultrassonografia de pulmão, uma importante ferramenta para a avaliação de insuficiência respiratória aguda é o protocolo BLUE (Bedside Lung Ultrasound in Emergency). Sabe-se que o ultrassom é uma ferramenta multifacetada e muito útil como alternativa aos métodos de imagem que utilizam radiação, como o Raio-X por exemplo. A partir da utilização da ultrassonografia pulmonar, o objetivo restringe-se à identificação das estruturas pleurais e suas doenças adjacentes. Atualmente, por meio do entendimento de artefatos produzidos por determinadas doenças em região de parênquima pulmonar, como as síndromes pulmonares intersticiais, pneumotórax e atelectasias, por exemplo, o uso dentro das situações de emergência e terapia intensiva foi ampliado.
O protocolo BLUE pode ser aplicado sempre que houver dúvidas do profissional após o exame físico, e é uma forma de avaliação in loco da insuficiência respiratória aguda; assim, a partir do manejo do transdutor em pontos padronizados, o protocolo se inicia por meio de um fluxograma envolvendo perfis, que visam a busca da causa da insuficiência respiratória. Para a identificação adequada da causa, é de extrema importância que se conheça a anatomia, fisiologia, fisiopatologia e os sinais clínicos mais sugestivos das principais afecções pulmonares que levam à insuficiência respiratória aguda.
As principais indicações e aplicações dos protocolos BLUE envolvem contextos de emergências e de terapias intensivas, nos quais os pacientes apresentam sinais de insuficiência respiratória aguda e precisam de diagnóstico e intervenção precoce. Assim como no protocolo e-FAST, requer técnica adequada para a correta interpretação dos achados, visto que é um exame operador-dependente. Assegurada a capacitação dos profissionais que realizarão o exame, a aplicação do protocolo BLUE está indicado como ferramenta de triagem inicial para sintomas respiratórios, além de ser importante para pacientes vítimas de traumas, ou internados em terapias intensivas, com sinais clínicos de insuficiência respiratória aguda ainda não diagnosticadas, de modo que as principais causas e suspeitas sejam:
Pneumotórax
Hemotórax
Tromboembolismo Pulmonar (TEP)
Pneumonia
Congestão
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)
Asma
Por se tratar de um protocolo, em que os passos e medidas são preestabelecidos, é de extrema importância que seja realizado seguindo o algoritmo para a correta correlação entre os achados e os respectivos diagnóstico.
A escolha do equipamento adequado faz muita diferença no resultado final das imagens obtidas, visto a capacidade e propriedades de cada transdutor com as estruturas pulmonares. Em casos de emergência, recomenda-se utilizar o mesmo transdutor do e-FAST caso este protocolo tenha sido aplicado anteriormente, para que não perca tempo de trocar o transdutor e com isso postergar tratamentos que eventualmente sejam imediatos. Caso a situação de atendimento seja mais controlada, recomenda-se o uso de um transdutor linear, com frequência entre 5-10 MHz, que é ideal para visualização de estruturas como a pleura visceral e parietal. A profundidade de campo também é um fator importante para que se obtenha imagens mais assertivas, e aqui recomenda-se uma profundidade de aproximadamente 4cm.
Fonte: Lichtenstein D. Lung ultrasound in the critically ill. Annals of Intensive Care. 2014
O exame inclui a análise de ambos os pulmões, e os pontos de pesquisa dependem das suspeitas clínicas. No caso em que se suspeita de pneumotórax por exemplo, pode-se iniciar entre o terceiro e quarto espaço intercostal, na linha hemiclavicular, de modo que o marcador do transdutor fique na direção cefálica. Além desse ponto, pode-se utilizar como alternativa os espaços intercostais 2 e 4 na linha hemiclavicular, ou ainda o sexto espaço intercostal na linha axilar anterior + sexto espaço na linha axilar média.
Ao contrário do restante do exame FAST, a determinação do pneumotórax não depende da detecção de líquido livre anecóico. Em vez disso, o exame se concentra na visualização do deslizamento da pleura usando a escala de cinza modo B, modo M ou ainda o ultrassom Doppler. Além disso, o pulmão é avaliado quanto à presença de “caudas de cometa” que se estendem perpendicularmente da superfície até a porção mais profunda do pulmão. O sinal da “cauda do cometa” é um artefato de reverberação causado por áreas de edema intersticial na pleura visceral. A presença de pleura deslizante e caudas de cometa descartam pneumotórax na região do pulmão examinado. O sinal do ponto pulmonar (Lung Point), a justaposição do deslizamento pulmonar e a ausência de deslizamento pulmonar no mesmo espaço (representando a borda de um pneumotórax), confirmam a presença de pneumotórax. As estruturas que devemos identificar durante o exame torácico são: linha pleural (composta pela pleura visceral e parietal), arcos costais e parênquima pulmonar. O posicionamento do probe deve ser longitudinal na parede torácica na linha axilar média, entre o terceiro e o quinto espaços intercostais, com o paciente em decúbito horizontal e/ou semi-sentado, pois nesta posição a detecção do deslizamento pleural (Lung Sliding) é maior e de fácil reconhecimento. Utiliza-se o mesmo probe de ultrassom do FAST, ou seja, ultrassom convexo de 3,5 a 5 MHz e/ou microconvexo, no intuito de reduzir o tempo de realização do exame ocasionado pela troca de transdutores durante o procedimento. Inicialmente, identifica-se a sombra do arco costal e logo após esta estrutura o espaço intercostal. Identificamos uma estrutura hiperecogênica logo abaixo dos arcos costais, que é a linha pleural.
Lung Sliding é um sinal caracterizado pelo movimento entre as pleuras visceral sobre a pleura parietal. A pleura é vista como uma linha hiperecóica (branca), que realiza um movimento rítmico e síncrono com a respiração.
Fonte: How to: Lung SLiding detection with linear transducer 3D video, 2012. Disponível no canal Sonosite.
Ao visualizar no modo M, evidencia um padrão de movimentação com um aspecto que se assemelha à paisagem de uma praia.
Perfil A: padrão de aeração normal, que é caracterizado pela presença de linhas A.
Linhas A são linhas horizontais hiperecogênicas paralelas à linha pleural, formadas a partir da reverberação da onda ultrassonográfica nas pleuras, equidistantes umas das outras. Pode ser encontrada no pulmão sem alterações, mas também pode estar presente no pulmão com pneumotórax. Importante levar em consideração os aspectos clínicos somados aos achados com o USG.
Perfil B : padrão de linhas B, caracterizando acometimento interstício-alveolar. Podem estar presentes em alterações intersticiais, como espessamento septal ou fibrose, e também em alterações alveolares, como vidro fosco e pequenas consolidações. Assim, a presença de linhas B é um achado bastante sensível e pouco específico. A presença de até 2 linhas B por campo pode ser fisiológico. A presença de 3 ou mais linhas B entre os espaços intercostais define o sinal de “Foguetes Pulmonares”.
Figura 6: Presença de linhas B patológica (mais que 3 linhas) à esquerda, e edema intersticial com presença de linhas B à direita
Fonte: Relevance of Lung Ultrasound in the Diagnosis of Acute Respiratory Failure, 2008
Para cada região analisada, pode ser feito um score de aeração, que auxiliará no raciocínio clínico e no acompanhamento evolutivo do paciente.
O que sistematiza o diagnóstico a partir da aplicação do protocolo BLUE são os perfis pulmonares encontrados nos pontos pulmonares com os sinais associados, e a partir do momento em que se identifica ou não o lung sliding, os perfis são pré estabelecidos da seguinte forma:
Definido quando houver deslizamento pleural (lung sliding) associado com linhas A. Um perfil A associado na presença de sinais clínicos de TVP, apresenta uma especificidade de 99% para TEP. Nesse caso faz-se necessário uma varredura dos vasos antes do restante do pulmão. Dentro desse mesmo perfil, existem outros dois perfis patológicos, o Perfil A9 ou A´, e o Perfil PLAPS.
Perfil A9 ou A´: Lung sliding abolido e presença de linhas A indica fortemente pneumotórax (sinal do código de barras), mas pode estar presente em intubação seletiva e paralisia do diafragma. No modo M verifica-se o “sinal da estratosfera” ou “sinal do código de barras”, que indica ausência do lung sliding. A partir desse achado, não é mais perceptível o “sinal da praia”.
Sinal do Código de Barras = Sinal da Estratosfera!
Perfil PLAPS: Consiste na presença do deslizamento pulmonar associado a linhas A, uma rede venosa livre e alterações alveolares e/ou pleurais no ponto PLAPS, que se localiza na região póstero-lateral do tórax. O principal diagnóstico em cima desse achado é o Derrame Pleural.
Perfil A9/A´: A pleura hiperecogênica é identificada pela seta. Este achado pode estar presente em outras condições como intubação seletiva e paralisia diafragmática.
Fonte: Ultrassonografia pulmonar, ferramenta essencial na Covid-19, 2020.
Perfil PLAPS: “Derrame pleural no PLAPS-point. As setas brancas, no modo B, indicam a pleura visceral. O espaço entre as pleuras visceral e parietal e as sombras das costelas superior e inferior formam um quadrado, sendo conhecido como “Sinal do quadrado”.
No modo M, as setas pretas indicam a pleura parietal e as brancas indicam a pleura visceral. O sinal do sinusoide é indicativo de derrame pleural.”
Fonte: Pocus na abordagem da dispneia, 2021
Na presença de lung sliding + “foguetes pulmonares” define o perfil B. A principal relação patológica com esse perfil é o edema pulmonar hemodinâmico. e geralmente indicam edema pulmonar hemodinâmico. As linhas B são produzidas por movimentos de vaivém persistente, promovida pelo aumento do fluxo entre o edema dos septos interlobulares e o gradiente gasoso. O edema pulmonar hemodinâmico é uma síndrome clínica que pode ter várias etiologias, caracterizada pelo extravasamento de fluido para interstício e alvéolos, geralmente criando um edema pulmonar transudativo e pressurizado.
Perfil B9 ou B`: Sinal de “foguetes pulmonares”/”caudas de cometa” e lung sliding abolido.
Perfil B: lung sliding presente e linhas B (caudas de cometa) presente.
Fonte: Relevance of Lung Ultrasound in the Diagnosis of Acute Respiratory Failure, 2008
Perfil B9/B´: lung sliding abolido e linhas B presente.
Fonte: Fonte: Ultrassonografia pulmonar, ferramenta essencial na Covid-19, 2020.
Definido pelos achados de “foguetes pulmonares” assimétricos entre os pulmões. Normalmente está relacionado à pneumonia, e deve apresentar os dois perfis em pelo menos um dos hemitórax o perfil A em um dos hemitórax e perfil B no outro.
Geralmente apresenta-se com consolidação, é expressa quando a ecogenicidade do pulmão se assemelha à do fígado. Esse efeito é produzido devido ao preenchimento alveolar por fluido ou detritos celulares, que permite a propagação de ondas de ultrassom, devido a diminuição acústica.
Padrão de consolidação, caracterizando acometimento parenquimatoso. Quando há presença de consolidações, representam ocupações alveolares e correspondem ao achado de consolidação denominada subpleural, vista na TC de tórax por exemplo. Trata-se então de um achado mais específico, e que auxilia no diagnóstico diferencial das consolidações pulmonares.
O aspecto do parênquima pulmonar pode se assemelhar ao fígado, corroborando para diagnosticar a consolidação.
“US de tórax em paciente com a COVID-19 demonstra pequenas consolidações subpleurais hipoecogênicas, irregulares e de morfologia redonda (setas). De suas extremidades posteriores partem as linhas C pleurais (asteriscos), que são hiperecogênicas e verticais, à semelhança das linhas B.”
Fonte: Ultrassonografia pulmonar, ferramenta essencial na Covid-19, 2020.
REFERÊNICAS:
1. Lichtenstein DA, Mezière GA. Relevance of lung ultrasound in the diagnosis of acute respiratory failure: the BLUE protocol. Chest. 2008 Jul;134(1):117-25. doi: 10.1378/chest.07-2800. Epub 2008 Apr 10. Erratum in: Chest. 2013 Aug;144(2):721. PMID: 18403664; PMCID: PMC3734893.
2. VELASCO et. al. PROCEDIMENTOS COM ULTRASSOM NO PROTNO SOCORRO. 1ª Edição, São Paulo. Manole, 2020.
Este website foi desenvolvido como parte do projeto PUB-USP – Construção e validação de ferramenta online para ensino de ultrassonografia point-of-care na graduação – pelo aluno João Marcos Bonifácio da Silva, sob orientação do Prof. Dr. Marcos Antonio Marton Filho.