PoCUS - Medicina USP Bauru

Point-of-care-ultrassound

Protocolo FAST

O protocolo FAST foi desenvolvido com o intuito de monitorar lesões ameaçadoras à vida, como a ruptura de órgãos sólidos na cavidade abdominal ou o tamponamento cardíaco, por exemplo. Trata-se de um exame que pode ser realizado à beira leito, permitindo a detecção precoce, pelo médico, da presença de líquido livre na cavidade abdominal, pleural ou pericárdica. 

Nessa etapa inicial do atendimento, o médico deve adotar algumas condutas de acordo com os achados do FAST: exame positivo indica lesão abdominal grave com alta especificidade, porém apesar de conseguir diagnosticar sinais de gravidade iminente, o resultado negativo não garante ausência de lesões ameaçadoras à vida, visto que sangramentos retroperitoneais e lesões de vísceras ocas não são visualizadas pelo ultrassom. Na presença de um FAST negativo, deve-se considerar os sinais clínicos do paciente e prosseguir com as investigações necessárias.

A partir da aplicação do protocolo FAST, determina-se o diagnóstico precoce e a partir daí é possível adotar condutas que mudarão o prognóstico do paciente. Apesar da presença de líquido ser um forte indicativo de lesão, a presença isolada não é capaz de determinar o grau da lesão ou então a necessidade imediata de intervenção cirúrgica. Somado aos achados da imagem ultrassonográfica, deve-se considerar alguns parâmetros clínicos, como a hemodinâmica, sinais clínicos, número de locais com líquidos livres e a partir daí determinar o volume aproximado. 

Para determinar o volume, mostrou-se que a identificação de líquido livre abdominal em mais de 3 recessos, correlacionou-se com volume maior que 100 ml em cavidade intraperitoneal, sendo suficiente para aferir que há presença se sangramento intra-abdominal, e dessa forma necessária intervenção cirúrgica. Determinou-se paciente de alto risco, com trauma abdominal fechado somado à hipotensão arterial, o exame se mostrou com sensibilidade de 85% e especificidade de 95%, de acordo com dados de Lee et al.

É importante salientar que a utilização do protocolo FAST não se restringe apenas ao atendimento inicial do paciente politraumatizado, mas também pode ser utilizado como ferramenta para manejo e segmento desse paciente até o momento da alta hospitalar. 

Uma complementação do protocolo FAST foi elaborada, chamada de eFAST/FAST-Estendido, capaz de proporcionar uma avaliação mais completa nos pacientes, pois foram incluídas janelas 4 adicionais na região do tórax, permitindo assim identificar outros tipos de lesões, como o hemotórax, derrame pleural e pneumotórax. A realização do eFAST pode substituir a tomografia computadorizada e o lavado peritoneal diagnóstico, mas não o retardo de intervenções cirúrgicas. 

O principal objetivo deste protocolo é auxiliar o médico na tomada de decisões, a fim de garantir melhor monitoramento e intervenções, farmacológicas ou cirúrgicas. Apesar de ser uma ferramenta extremamente útil, deve-se ter em mente que esse exame não substitui o exame clínico do paciente, nem o raciocínio diagnóstico, que devem caminhar em conjunto para um melhor desfecho prognóstico.

Fluxograma

Indicações

O principal objetivo deste protocolo é auxiliar o médico na tomada de decisões, a fim de garantir melhor monitoramento e intervenções, farmacológicas ou cirúrgicas. Apesar de ser uma ferramenta extremamente útil, deve-se ter em mente que esse exame não substitui o exame clínico do paciente, nem o raciocínio diagnóstico, que devem caminhar em conjunto para um melhor desfecho prognóstico.

As principais indicações e aplicações dos protocolos POCUS envolvem contextos de emergências e terapias intensivas, nos quais os pacientes precisam de diagnóstico e intervenção o mais precoce possível. Apesar de ser portátil e fácil de ser manejado, exige técnica adequada para a correta interpretação dos achados, visto que é um exame operador-dependente. Assegurada a capacitação dos profissionais que realizarão o exame, a aplicação do protocolo e-FAST está indicado para pacientes vítimas de traumas, ou internados em UTI, mediante a suspeita de:

 

1. Trauma cardíaco, seja ele penetrante ou fechado. Nesse caso, o exame pode ser realizado mais de uma vez para que se confirme o diagnóstico. Tamponamento cardíaco pode ocorrer mesmo em pequenos volumes de líquido na região pericárdica.

2. Trauma abdominal fechado.

3. Trauma torácico, incluindo suspeita de hemotórax ou pneumotórax.

4. Causas de hipotensão não definidas.

5. Suspeita de gravidez ectópica rota.

6. Traumatismos durante a gravidez.

Técnica

A execução do protocolo e-FAST deve ser realizado com o intuito de identificar causas que são mais graves e que necessitem de intervenção mais rapidamente.

Janela Subxifóide

A janela subxifóide é um elemento chave para execução e avaliação do paciente crítico, visto que através dela é possível diagnosticar um tamponamento cardíaco, situação que pode findar a vida do paciente. A avaliação com o POCUS da região cardíaca em pacientes traumatizados é frequentemente realizada através de uma visão subcostal; e com essa abordagem todas as quatro câmaras cardíacas e o pericárdio podem ser visualizados.

A janela subxifóide pode ser mais difícil de ser obtida em pacientes obesos, pacientes com um grande volume de gás estomacal, com um processo xifóide proeminente ou um abdômen sensível ou distendido. Para conseguir essa janela, pode-se utilizar uma visão subcostal, que é obtida colocando o transdutor na área subxifóide. A visão do eixo longo paraesternal (PSLA) é a principal alternativa quando a abordagem subcostal fornece uma imagem inadequada do coração. A visão apical de quatro câmaras (A4C) é outro meio de avaliar o coração em trauma; usando essa visão, todas as quatro câmaras cardíacas podem ser vistas, permitindo que o clínico avalie o colapso do ventrículo direito, derrame pericárdico e tamponamento cardíaco e a função cardíaca geral.

Pericárdio

Avalia presença de líquido no saco pericárdico e tamponamento cardíaco.

Achado normal

Achado anormal: Janela positiva, com líquido anecóico no espaço pericárdico, mais visível próximo à parede do VD.

Fonte: Protocolo Fast, SanarMed 2021

Janela Hepatorrenal / Espaço de Morrison

A janela hepatorrenal geralmente é a primeira a ser examinada no protocolo FAST, porém a depender da cinética do trauma e clínica do paciente, pode-se optar iniciar pela janela subxifóide, devido a ser potencialmente mais letal nos casos de injúrias. Essa janela é obtida colocando o transdutor entre as linhas axilar média e axilar posterior, geralmente melhor visualizado entre os 10 e 11 espaços intercostais. As sombras das costelas podem ser um problema para a obtenção da imagem, porém isso pode ser minimizado podendo mover o transdutor em direção cefálica, girando-o em sentido anti-horário, de modo que ele fique o mais paralelo possível dos espaços intercostais. Outra forma de minimizar esse efeito de sombra é, se possível, pedir ao paciente para inspirar ou expirar e isso moverá a área de interesse inferiormente e superiormente, afastando-as das sombras formadas pelas costelas.

Hepatorrenal

Avalia presença de líquido no espaço entre fígado e rim direito, que usualmente é virtual.

Achado normal: Parênquima hepático normal e linha de transição com o pulmão

Achado Anormal: presença de líquido livre no espaço de Morrison. 

Fonte: Utilização do eFAST em Terapia Intensiva, 2010.

Janela Esplenorrenal (Flanco esquerdo)

Após a avaliação da janela hepatorrenal, quatro espaços no flanco esquerdo são avaliados, incluindo o pleural, subfrênico, periesplênico e o polo inferior do rim esquerdo. O baço fornece a janela ultrassonográfica para ver os espaços do flanco esquerdo, e se comparado ao fígado, é notadamente menor. Para o exame da janela esplenorrenal, o transdutor é colocado entre a linha axilar média e a linha axilar posterior, nos espaços intercostais da mesma forma que é realizada para a janela hepatorrenal, porém mais superior em relação ao polo cefálico (por volta do nono espaço intercostal. Lembrar que o transdutor apresenta uma marcação na lateral, e esta deve estar orientada para o polo cefálico do paciente. A interferência da sombra das costelas é superada de maneira semelhante às vistas do flanco direito.

Esplenorrenal

Avalia presença de líquido no espaço entre baço e rim direito, que usualmente é virtual.

Achado normal

Presença de líquido na Janela Hepatoesplênica

Janela Suprapúbica

A visualização da janela suprapúbica exige que o paciente esteja em decúbito dorsal. É uma região importante na avaliação do POCUS, pois permite procurar fluido livre. Através da bexiga adequadamente preenchida permite a visualização da pelve. Aqui é importante destacar que caso a bexiga do paciente esteja vazia, torna-se difícil visualizar as estruturas da pelve e isso pode inclusive fazer com que se perda essa etapa da avaliação. Caso o paciente esteja estável e com sonda, é possível utilizar um volume de até 200mL para preencher a bexiga. A janela suprapúbica é obtida com o transdutor logo acima da sínfise púbica, com o marcador do transdutor apontando para a cabeça do paciente. Deve-se mover o transdutor por toda a bexiga, procurando coleções de fluidos através da bexiga nos homens e através do útero nas mulheres.

Fundo de saco

Avalia presença de líquido no fundo de saco, entre bexiga e reto no homem e útero/vagina e reto na mulher.

Achado normal

Achado Anormal: presença de líquido livre posterior à bexiga e anteriormente ao reto. 

Fonte: Utilização do eFAST em Terapia Intensiva, 2010.

Janela adicional no eFAST

Além das 4 janelas tradicionais do protocolo FAST, a janela adicional contempla a visualização do tórax, focando no conjunto pulmão-coração, permitindo identificação de diagnósticos mais específicos frente ao protocolo tradicional.

Janela Pulmonar (Ápices e Bases)

A avaliação da janela pulmonar permite diagnosticar pneumotórax ou hemotórax. Normalmente, o exame começa no terceiro ou quarto espaço intercostal, na linha hemiclavicular, com o marcador do transdutor apontando para a cabeça do paciente. Caso o examinador necessite de outros locais para fazer a avaliação, pode-se utilizar como alternativas o segundo ou o quarto espaço intercostal na linha hemiclavicular, o quarto ou sexto espaço intercostal na linha axilar anterior ou o sexto espaço intercostal na linha axilar média. Diferentemente das outras janelas, aqui faz-se necessário o uso de um transdutor com uma frequência mais alta, que pode ser obtido com um transdutor linear, pois permite uma visualização mais nítida entre as pleuras visceral e parietal. A avaliação no Modo M, permite a visualização do lung slide (sinal da praia) quando não há alterações no espaço pleura.

Pulmonar

Avalia presença de líquido ou ar nos espaços pleurais

Achado normal: Presença de linhas A e Lung Sliding

Achado patológico: presença de linhas B, que possivelmente indica presença de consolidação pulmonar.

Fonte: Relevance of Lung Ultrasound in the Diagnosis of Acute Respiratory Failure, 2008

A execução do protocolo e-FAST deve ser realizada conforme estabelecido, ajuda a garantir que o tamponamento cardíaco e lesões mais agudas e com maior risco de vida sejam encontradas primeiro que outros elementos do exame que não sejam omitidos.

LEIA MAIS: 

1.  Lichtenstein DA, Mezière GA. Relevance of lung ultrasound in the diagnosis of acute respiratory failure: the BLUE protocol. Chest. 2008 Jul;134(1):117-25. doi: 10.1378/chest.07-2800. Epub 2008 Apr 10. Erratum in: Chest. 2013 Aug;144(2):721. PMID: 18403664; PMCID: PMC3734893

2. VELASCO et. al. PROCEDIMENTOS COM ULTRASSOM NO PROTNO SOCORRO. 1ª Edição, São Paulo. Manole, 2020. 

3. Utilização do eFAST em Terapia Intensiva, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbti/a/9wfNbmQCqVBDnrHHfTL4XZH/?lang=pt#

    Este website foi desenvolvido como parte do projeto PUB-USP – Construção e validação de ferramenta online para ensino de ultrassonografia point-of-care na graduação – pelo aluno João Marcos Bonifácio da Silva, sob orientação do Prof. Dr. Marcos Antonio Marton Filho.